espólio

lobélia carvalho
3 min readMay 5, 2024

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I raise my bow and aim
Missing every time the same
No use being angry at anyone
Like we’ve already done

me faz sua caça. arma abrigo na noite; fogo baixo, lebre assada, agasalho leve. checa teu rifle, balança tua munição: tudo certo? tudo certo. reamarra a bota. lembra de voltar uns metros, ver a arapuca, se está a postos. está. irá usar? não me interessa. volta. olha pra cima. lua cheia. parece que te enche como enche a mim. um banho talvez necessário. ajusta a roupa do corpo. dobra a manga da jaqueta pra liberar melhor as mãos. afasta o frio com o ar quente na mão e uma concha sobre a boca. o calor fica preso na barba irregular. você nem nota mas eu vou. usa a fagulha e acende um cigarro pra tentar se colocar Ali antes de começar. fuma nem a metade, lança à fogueira. olha pro arco. guarda a pistola no coldre e descansa o rifle antes de voltá-lo ao ombro direito. a faca no cinto? sim. o canivete no bolso? sim. tire-o. puxe as flechas da aljava, uma a uma. afia. afia. afia. afia. checha as penas de ganso na outra ponta. afia. faz um silêncio doce e intenso, só crepita quando você se lembra de que é possível que crepite o fogo. percebe que precisa se atentar. atente-se. sons de cigarra e sons de grilo. folhas com vento. sons de riacho. afia. afia. afia. pisa na brasa. é escuro então espera. espera que os olhos acostumam. você me sabe ali. viu meus passos mais cedo por perto. eu cheirava gardênias. amo gardênias, mas você não sabe. saberia de que forma. eu começo minha parte. volto a procurar gardênias, mas só encontro as amargas dedaleiras. elas estão longe de você. você está perto das gardênias. é claro. eu começo a conversar alto, comigo mesma, mesmo sabendo que gente não escuta corça. faço de você meu diário temporário, apesar dos avisos de minha mãe e minhas tias de não caminhar pelo vale em luas cheias. acontece que eu queria mesmo te ver. não acreditava que pudesse ser real. mas todas as tuas vestes existem. tua trinta e oito e teu rifle existem. tua aljava e teu arco existem. estão sobre tuas costas ainda que não me enxergue. mas me sabe. e eu silenciosmanete te guio porque o que mais eu poderia fazer. eu poderia correr. eu não corro. eu quero te ver. meus cascos parecem barulhentos agora, acho que estou imóvel há tempo demais. afio. afio. afio. e decido dizer. minha voz você não ouve, nem em ruído. então eu digo. do jeito bobo que tenho de dizer:

there’s this feeling, you know? a kind-of weird sense of calm before the storm-ness that comes with it at me from time to time. what ‘it’, you ask? the scent of night-blooming jassemines flowing like a singing voice, of course. bitter to you sweet to me. but there is not a storm and it is not at all calm. i never feel like running or saying anything when it comes down so i thought i might as well just accept and acknowledge it when it gets near enough not to ignore. i wish i could just simply idealize it forever, like the stories would tell me. something of a betrayal marches towards my torso, you see?

it’s a fun one.

um galho se dobra a ponto de um ruído crescer. sinto o impulso de te ordenar: afie, afie, afie. mas não tenho tempo. um ruído de pés faz coro ao primeiro. leve o suficiente; não sei se meu ou se dele. de todo modo, acontece a assimilação. vejo teus olhos. são castanhos como o jacarandá que sustentou meu corpo quando saltei para fora de mamãe. sopram as dedaleiras. no zunido da seta, eu desejo uma gardênia pra jantar. uma flecha afiada alcança meu olho.

04052024

indopersian-style handmade-miniature-watercolor-painting Islamic Hunting, harish sain, 2017

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