a enchente de cem anos

lobélia carvalho
2 min readJul 17, 2023

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tem algumas horas desde que comecei a estrebuchar dentro da minha cabeça, procurando alívio em situações corriqueiras. macerei com pouca vontade os ditames que me foram delegados e agora sinto o calor se desfazer. é curioso como, de fato, tudo se esgarça. tenho para mim que vivo as promessas condolentes de um sonho que não gosta de nomear as coisas. que encontra em mim o espaço e o tempo propícios para se aninhar em torno das próprias incertezas. levo com calma o intervalo que sinto ter restante e engasgo constantemente imaginando mils diferentes novas mortes num silêncio salino e pouco agradável. alguém sabe dizer por que é que escolhemos beber? qual é a vantagem dos dizeres entorpecidos que tanto atrai o comportamento humano? condição é o caralho. porra de instantes fugazes o quê. o negócio mais importante quando essa aberrância toda toma forma distinguível é correr em direção aos corpos mais próximos na busca por calor. ficar presumindo entre espamos emocionais que tenho morada em alguém. saber pormenorizar os pareceres da própria angústia e colocar um a um ordenados em fila, pra conseguir ter uma ideia de quão longe ela vai e poder tentar calcular o prazo de suas vidas úteis. o tenso é quando o frio chega primeiro desenovela todas as respostas numa só, dando a sensação quasi-eterna de urgência — recalchutada e um tanto cínica. e não se vê os corpos a que se agarraria e não tem quentura que se faça perceber. a ojeriza de si assimila os lugares vagos como um mergulhador que sabe o que vai encontrar no fundo de onde foi. e ainda assim desce. e espera os minutos de despressurização como foi-lhe ensinado. passa-se a atormentar a cabeça com um itinerário sufocante que intercala entre aproximações do real e distanciamentos por meio do fajuto: tudo em silêncio, tudo sozinha.

talvez por isso bebamos.

e ‘um brinde’ é o caralho também.

02.07–17.07

eu não quero morrer
o boi inexplicável

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